terça-feira, 10 de junho de 2014

ESCOLAS CRÍTICAS

  
1.

Como aluno de uma escola, você é fiel e grato a seus princípios.

O mundo pode ser complexo, mas sua mão é firme. E a firmeza é pedagógica.

A contradição é macia no punho da mão forte.

Leia sempre a contrapelo. Lembre-se: mais vale atropelar a literatura do que ser atropelado por ela.
  

2.

A literatura vira as costas para a realidade, por isso se trai. A literatura se trai, por isso vira as costas para a realidade.

A redundância é a aflição do tolo.

Discuta sempre obras de autores paradigmáticos. O silêncio sobre os demais é pedagógico.

O paradigmático pode ser o secundário, desde que não lhe valha publicidade.

Não leia nunca a contrapelo os mestres consagrados; em nenhuma hipótese, o nome do pai.


3.

Ao ler a contrapelo, atribua à obra seus próprios defeitos de pensamento.

Use apenas elogios que você sabe que seu leitor possa aceitar.

Elogie apenas aquilo que você pode, depois, denunciar.

Não tema em usar termos impróprios, se possível entre aspas, mesmo que o autor estudado nunca os tenha pronunciado. Em seguida, denuncie seus pressupostos.

Se o texto disser o oposto do que o interessa, argumente que o texto acabou traindo o que o aflige. Se disser a mesma coisa, diga que é isso o que o tormenta.

Se a forma do texto dificulta suas conclusões, conclua que é difusa, confusa, desdenhosa com a referência.

Se não souber o que fazer com uma ideia inteligente, ironize seu refinamento.

Se perceber que citou errado o que foi lido, rápido, corrija.

Se, no final das contas, realmente não souber o que fazer com um texto, diga que leu, mas não gostou. Afinal, tudo é uma questão de recorte.


4.

Não transija. O leitor é suscetível de ser intimidado. E a firmeza é pedagógica.

Mais vale atropelar a literatura do que ser atropelado por ela.

Não se esqueça que a literatura contemporânea aguarda seu juízo.

Aliás, ela não existe.